Exposição
SESC Santo André - SP (2009)
Durante a exposição em Santo André ocorreram 27 eventos que envolveram música, literatura, teatro e artes plásticas.
Da mesma maneira foram disponibilizadas músicas dos compositores e artistas retratados, que podiam ser ouvidas por meio de fone de ouvidos. Próximo aos personagens foram colocados livros dos devidos autores, que podiam ser lidos e manipulados pelos espectadores.
No palco disposto no centro do salão de exposição, atores, contadores de histórias, cantores e instrumentistas interpretaram obras de diversos personagens retratados.
Ao fim merece um especial agradecimento o Rafael Spacca e toda a Direção do SESC Santo André pela realização do evento.
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As pílulas e seus efeitos
O vasto repertório de obras produzidas ao longo dos dois últimos séculos por consagrados criadores brasileiros – representantes das diferentes áreas de expressão artística – constitui um imprescindível caldo cultural, no qual podemos encontrar, como apreciadores e fruidores, alimento para a constante busca por tornar significativa e enriquecer nossa experiência de estar no mundo. Tais produções, elaboradas por seus autores por meio da exploração de linguagens como a música, literatura, poesia, artes plásticas, entre outras, têm a capacidade de conferir forma e materialidade a fantasias, visões e sentimentos que, sem elas, tenderiam a permanecer obscuros, dispersos e, portanto, destituídos de um sentido mais denso e marcante.
O SESC Santo André, com o projeto Gigantes em Pílulas – expoentes da cultura brasileira em pauta, prestou homenagem a esses criadores que tanto contribuíram e contribuem para tornar rica a cultura do país. Para tal, tomou como ponto de partida as personas que distinguem essas emblemáticas figuras, ou seja, a imagem pública que cada qual – a seu modo e ao longo da carreira – forjou de si próprio, por meio da combinação de seus traços físicos, atributos personalísticos e do vestuário que adotaram como indumentária característica.
Representadas num registro bem humorado pelo artista plástico Zé Andrade, essas personas ganharam novo corpo em peças de pequenas dimensões, confeccionadas com material e técnica milenares: a cerâmica. Sua escala e formato remetem a pílulas, mais precisamente, a "pílulas de memória em forma de gente", nas palavras do artista. Desta forma, assumem a importante missão de manter viva em nossa memória o legado e a influência desses criadores.
Traços físicos de Monteiro Lobato, Tim Maia, Vinicius de Moraes, Candido Portinari, Dorival Caymmi, Machado de Assis e de outras personalidades da cultura brasileira foram moldadas em cerâmica pelas mãos de Zé Andrade, artista autodidata, baiano de Ubairá, que reside há mais de 30 anos no Bairro de Santa Teresa, no Rio de Janeiro, onde instalou seu ateliê. O projeto Gigantes em Pílulas – expoentes da cultura brasileira em pauta - tomou conta da Área de Convivência do SESC Santo André de 22 de Julho de 2009 até o início de Setembro daquele ano.
A exposição contou com programação integrada, com livros e CD players disponíveis para que o público tivesse contato com as obras dos artistas-personagens. Um dos destaques foi o bate-papo com Ferreira Gullar, referência do movimento neoconcreto brasileiro que falou sobre sua relação, como leitor, com a produção literária de Drummond, Manuel Bandeira, Mário Quintana, Castro Alves, João Cabral de Melo Neto, Mário de Andrade e Olavo Bilac, todos eles representados na exposição.
Também aconteceu um encontro com Clarisse Fukelman, especialista em literatura brasileira e docente, e Luís Pimentel, jornalista e escritor, para conversar sobre aspectos da representação visual.
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A memoria, com afeto
Há pessoas que inventam poemas, teorias, aviões.
Zé Andrade inventou um museu imaginário, onde vivem personagens de nossa memória afetiva: gente como Carlos Drummond de Andrade, Jorge Amado e Villa-Lobos.
Transformados em esculturas de cerâmica, cabem na palma da nossa mão; assim, em pequena estatura, ícones da cultura e da arte ganham vigor surpreendente.
A economia de traços lembra a síntese da charge, mas o artista, que já fez caricatura impressa, vai além.
A pequenez comove, desperta o humor e, sobretudo, leva à observação inédita, atenta à singularidade de cada ser representado. Renova-se o sentido da imortalidade, uma permanente construção.
Em seu trabalho, Zé Andrade quebra barreiras. O mundo erudito se junta ao popular. O lado imaterial da memória mistura-se à materialidade e precariedade de objetos manuseáveis. E a dimensão de realismo – pela semelhança entre o personagem e a imagem real do modelo – é relativizada pela poesia que imprime às peças. Nasce uma profunda empatia, que também aparece nas suas máscaras de grandes dimensões.
Baiano radicado no Rio de Janeiro, Zé Andrade faz uma releitura da tradição nordestina no trabalho em barro, dando-lhe um caráter sui generis no tratamento da matéria prima, na seleção das personalidades, pesquisa e dimensão afetiva. Tudo converge para um projeto memorialístico.
Ele re-consagra figuras do patrimônio artístico e cultural. Cada uma delas fala de si e, ao mesmo tempo, de todos os expoentes que alimentam nossa inteligência e sensibilidade.
É possível chamar as criações de bibelô: "objeto pequeno de curiosidade, beleza ou raridade". Essas criaturas trazem o que, de certo modo, já nos pertence: nosso território de lembranças, desejos e escolhas. Zé Andrade captura essa memória e lhe acrescenta terra, técnica e talento.
Nascem as poderosas figuras em que nos re-conhecemos.
O artista é, sim, um revelador.
Coisas de museu imaginário.
Clarisse Fukelman
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Humanidades
Quando criança eu tinha medos. A noite chegava, o sono não vinha, o escuro me amedrontava. Para espantar o pavor, uma tia me apresentou Monteiro Lobato. Seus heróis me fizeram companhia. Foi fácil seguir o fio da meada e atravessar a longa jornada noite adentro
Minhas mãos surpreendiam, criavam coisas que não havia aprendido, mas que sabia fazer. Elas, as minhas mãos, me contavam histórias...
O barro é parte das mitologias. Na gênese cristã, judaica, grega e de outros povos, elas também estão presente.
Humanidade vem de húmus, terra fértil, boa para o plantio.
Prometeu, herói mitológico que nos fez do barro, vendo as criaturas indolentes, sem vida, sem alma, resolveu desafiar os deuses e roubar um bem precioso: o fogo, privilégio exclusivo deles. Por essa ousadia foi punido.
As figuras aqui retratadas são o próprio fogo, transformador por tudo que criaram. Elas representam faróis ou velas acesas na escuridão.
Zé Andrade