Zé Andrade
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Os Sertões

Via Sacra de Antônio Conselheiro (1997)

"Em 1973 viajei para o Rio de Janeiro pela primeira vez, fugindo de dificuldades materiais / subsistência e buscando horizontes.

Feira de Santana, cidade onde morava antes é também chamada de Portal do Sertão, ou entrada do sertão.

Em uma longa viagem de ônibus, onde vim lendo o livro Os Sertões do Euclides da Cunha, livro dado de presente por um ex-colega de escola.  Eu, saindo do sertão e através da obra de Euclides da Cunha, estava retornando aos sertões, pelo viés da tragédia da guerra de Canudos.

Aquela circunstância marcou me definitivamente e pensei em um dia voltar àquela região e fazer um trabalho estimulando as pessoas a contarem a história, a sua tragédia.

Naquele momento e circunstância eu não tinha nem um conhecimento, que dominava a escultura nem que conseguiria me expressar através do barro, transformando e criando do barro, personagens, contando histórias.

Casa de Cultura São Saruê, lugar de Cultura Nordestina e Arte Popular.

Durante muitos anos acalentei a ideia de que isso um dia poderia acontecer e pelo Centenário da Guerra de Canudos, acontecida em 1897 e em 1997 estaria completando 100 anos. Tinha acabado de adquirir uma casa em Santa Teresa, um lugar que tem a ver com a História de Canudos, vez que era um lugar dedicado a Cultura Nordestina. O ex-dono, um General intelectual, euclidiano ou dos que se dedicam a estudar a obra de Euclides da Cunha. Aqui na casa tinha um espaço dedicado aos resíduos da guerra, armas uma série de coisa, que foram recolhidas antes da inundação da segunda cidade de Canudos. A primeira Canudos foi destruída por fogo e em 1968 por água.

Quando comprei a casa assumi compromisso com a dona Iris, a esposa do general da qual e naquele momento era divorciada, de que aqui nos primeiros anos eu pudesse abrigar artistas nordestinos que precisassem de uma pousada, um abrigo. Logo após efetuar a compra da casa, um artista nordestino, poeta de cordel, aboiador, cantador de cordel, gravador de xilogravura, da nobre extirpe dos grandes poetas e Artistas nordestinos e primo do grande Joel Borges.

Joel Borges estava passando dificuldades em Pernambuco, precisava de apoio e abrigo no Rio.  Joel veio e ficou na minha casa trabalhando como caseiro, acompanhado da esposa, a dona Bia.

Ele morou aqui no Rio durante um ano e posteriormente o seu filho Tito Borges, artista também, ficou aqui mais 5 anos.  Joel, trabalhava aqui como caseiro e vi naquele momento e circunstância dar vez e voz ao Artista popular e xilógrafo e deixar de cuidar de determinadas funções na casa, no quintal e se expressar através do desenho, da xilogravura criando matrizes em madeira, tintas, rolo de impressão e contar a história da Guerra de Canudos.

A cultura nordestina é feita de oralidades. Contei a história narrada em Os Sertões, pedindo para que criassem cenas religiosas, como em uma via Sacra.

Joel e família são pessoas extremamente religiosas, dessas de todas as noites rezar o terço em família.  Assim nasceu a Via Sacra de Antônio Conselheiro, depois aconteceu uma exposição no Museu do Folclore e as gravuras ilustraram um livro da fundação Osvaldo Cruz, intitulado 'Brasil Ser tão Canudos' e sou dono das matrizes em madeira e de 2 álbuns impressos.

Via-sacra de António Conselheiro é mais uma obra que consegui realizar, patrocinado um amigo, artista talentoso, já que eu, não teria ninguém para me financiar na realização do projeto que gostaria de fazer.

Os Sertões, Guerra de Canudos, as nossas Favelas são heranças perversas de grandes problemas que mancham a nossa dignidade, cidadania e história.

Brasil,  um país tão amplo, quase um continente, tão rico, tantas diversidades, tanta terra e direitos negados para tantos.

Vergonha!

Enfim."

Fotos

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